terça-feira, novembro 28, 2006

S.O.S.


“Socorro”! - é todo o que digo. Em nome dos membros do Clã da Cortiça Marítima peço ajuda a todos os nossos leitores (sim, a ambos). O que é que pedimos? Dinheiro? Não, não era isso que tinha-mos em mente, mas se quiserem dar…
O que pedimos é muito simples, estão a ver a imagem aqui ao lado? É isso que queremos. Não me refiro às bolas! Isso, felizmente, temos. Estou a falar do pequeno “clip” de plástico usado para fechar o saco.
Ok, a situação pode parecer um pouco estranha, por isso vou tentar explicar. A jogada é a seguinte: já aqui se falou que um dos tratamentos que damos aos “cacos” é, após serem pesados, colocá-los dentro duma espécie de “chouriços de rede”, para que as peças possam ser desalinizadas. Ora para fechar esses “chouriços de rede” usamos umas guitas de plástico. Infelizmente as que utilizamos actualmente não nos permitem reabrir os sacos, o que, por vezes, é preciso fazer para o seu estudo, sem destruir a guita de plástico.
Esse problema seria solucionado se obtivéssemos o “clip” de plástico que aparece na imagem. Porque é que não vamos comprar? Nada nos agradaria mais, mas já não se vendem! Este produto saiu do mercado à meia-dúzia de anos atrás! O que, pessoalmente, me surpreendeu bastante, já que me lembro de comprar sacos de berlindes que os tinham! Parece que só há um sítio, na China, que os faz!
Já que seria um bocado extremo, e caro, mandar fazer isto, exclusivamente para nós, pedimos a vossa ajuda. Se alguém tiver destes “clips” de plástico em armazém ou conheça que alguém que os tenha, pedimos que nos dê essa informação.
O que ganhariam em troca? Presumo que os nossos eternos agradecimentos não bastariam… Pois bem, compreendem que não somos propriamente ricos… na verdade até vendemos t-shirts dos Cortiçais para dar uma ajuda financeira ao projecto. São umas t-shirts jeitosas, com uma ânfora Haltern 70 e com os dizeres “In Vino Veritas” (“a verdades está no vinho”) e “Defructum über alles” (“defructum para todos”).
É isso que nos der informações legítimas tem direito a adquirir uma t-shirt dos Cortiçais! Que me dizem? Acham pouco? Olhem bem o que estão a dizer! Antes de mais já só há 40 exemplares, são de boa qualidade, só são vendidas por membros da campanha e, para além do mais, custam 10 Euros cada. Não, por esse preço não tiram cafés. E não, não têm uma televisão lá dentro.
Gostávamos de poder dar recompensas mais chorudas, mas se tivéssemos dinheiro para tal não estaríamos a procurar “clip” de plástico reutilizáveis, para poupar uns “cobres” em guitas de plástico! Mais uma vez estamos aqui a fazer o papel de bebés chorões ao pedir a vossa ajuda paciência…
Não se ralem a pedinchice já acabou! Para a semana já voltamos ao nosso ritmo normal, ou seja parvoíces sem nexo e episódios das palhaçadas do Clã da Cortiça Marítima. Com o Simpósio e a recém acabada campanha dos Cortiçais, deixem que vos diga meus amigos, temos aí uma fornalha fresquinha de posts!

Vitor Frazão

terça-feira, novembro 21, 2006

A calmaria depois da tempestade

À medida que a calma volta a cidade de Peniche os nativos regressam às suas vidas quotidianas. Tal como todas as cidades atacadas por um cataclismo a vida reencontra o seu caminho entre as ruínas.
Mas que catástrofe é que assolou esta urbe? Furacão? Terramoto? Tsunami? Na verdade foi uma catástrofe que põe a um canto todas estas! O terramoto de 1755 é uma mera chatice corriqueira, ao seu lado! Do tipo: “Sai de casa, apanhei o terramoto, mas o que me chateou, a sério, foi não ter café quentinho, com mil raios!
Digo mais! O pessoal de Nova Orleães olha para os penichenses com um pena comovente, ao mesmo tempo que pensa: “Pobres desgraçados! Bem, antes eles que nós!”
Todos já adivinharam que hecatombe bíblica é que me refiro: um ajuntamento de arqueólogos e aspirantes a arqueólogos. Já é mau ter de enfrentar a equipa da “Cortiça Marítima” mas isto atinge toda uma nova escala de maldade. Asseguro-vos que nada inspira mais temor que uma alcateia destes espécimes. Não é uma analogia vã pois, esta gente é capaz de se atirarem aos pescoços uns dos outros com uma ferocidade que horrorizariam qualquer besta selvagem. Pelo menos este é o seu comportamento habitual.
Um dos pontos surpreendentes deste Simpósio foi toda a comunidade científica estar rodeada de uma dignidade e, atrevo-me mesmo a dizer, civilidade que não estou habituado a ver entre arqueólogos e cientistas em geral! Neste tipo de eventos é habitual haver duas coisas, símbolos da cultura portuguesa: partidarismo e valente peixeirada, normalmente associada a violenta e requintada troca de insultos!
Contudo o “Simpósio: a costa portuguesa no panorama da rota atlântica durante a época romana”, que decorreu nos dias 16 e 18 de Novembro no Auditório Municipal, não só conseguiu ser civilizado como foi interessante! Ali estavam todo um grupo de especialistas, de várias áreas e disciplinas, cujo o único intuito era partilhar as suas investigações e teorias. Enfim uma saudável troca de informações e ideias! Nunca esperei viver para presenciar tal fenómeno! Regra geral estas reuniões são simples “choques de cabeças” entre os grandes especialistas, em que nenhum deles está disposto a sequer considerar a hipotética hipótese de vir a ponderar o mero conceito de poder dignar-se a que haja uma outra teoria minimamente válida, para além da sua.
Claro que por muito digna que tenha conseguido ser a discussão sobre a rota atlântica, não chegou a ser um tema que interessasse à maioria das pessoas. Ao homem de Peniche não interessa as eternas discussões se a Haltern 70 se deve chamar Haltern 70 ou outra coisa qualquer! O que ele quer saber, e isso é que importante, é que aquele grupo de “invasores”, que só sabem discutir sobre barcos afundados à 2000 anos e sobre tipologia de “bilhas velhas”, está a fazer um basqueiro desgraçado, no mesmo restaurante em que o pobre autóctone tenta ter um jantar romântico!
Estes dramas multiplicam-se pela cidade! Por exemplo o pessoal da “A Sardinha” teve o seu trabalho duplicado, juntamente com as horas de trabalho, à medida que viam o restaurante ser tomado por hordas ululantes de arqueólogos esfomeados (curiosamente a equipa dos Corticais continuava a ser a última a sair do restaurante). Infelizmente para outros restaurantes penichenses a “epidemia arqueológica” propagou-se!
Agora a cidade respira de alívio, porém ainda se sente no ar a passagem do “eixo do mal”! É obrigação deste blog não deixar que esta catástrofe seja esquecida. Como um memorial do Ground Zero continuaremos a relatar os acontecimentos deste Simpósio, para que não se perca a memória dos que tombaram no seu decurso.

Vitor Frazão

segunda-feira, novembro 13, 2006

Regresso

Um silêncio de morte caí sobre Peniche. As aves fogem da península e as pessoas escondem-se em casa, a tremer de terror. Tudo isto porquê? Aproximasse algum exército? Uma tempestade devastadora? Ou a própria Besta?!
Na verdade chegou, a esta pacífica cidade costeira, a mais receada das catástrofes: um grupo de arqueólogos. Razão para dizer: We’re back!
De 10 a 25 de Novembro acabou-se o sossego para a população. Por onde nós passamos as flores morrem, as mulheres desmaiam, os homens escondem-se e as crianças choram. Durante estes dias as trevas e o infortúnio tombam sobre todos os que têm a infeliz condição de se cruzarem com esta turba de alcoolicamente alegre e tagarelas alucinados arqueólogos! Façamos uma lista dos infelizes:
- Rui Venâncio (peço desculpa Dr. Rui Venâncio), arqueólogo da Câmara, que se vê obrigado a multiplicar-se entre as obrigações profissionais e as incessantes “pedinchisses” dos participantes.
- a staff do café "Cantinho da Fé" que tem de enfrentar, logo às 8h da manhã, um batalhão de arqueólogos e aspirantes a arqueólogos esfomeados.
- o pessoal do restaurante “A Sardinha” que, de novo, têm o azar de não poderem acabar o expediente a horas decentes, por causa de um grupo de “comadres” que, muito depois de terem acabado a refeição, continuam a dar à língua no restaurante.
- toda a restante população, forçada a ouvir as imparáveis parvoíces e constantes gargalhadas de um conjunto de “loucos dos cacos”.
Mas quem são estes Novos Cavaleiros do Apocalipse, estes mensageiros da desgraça (tradução: uns chatos do caraças): - Dr. Carla Maricato, arqueóloga e senhora de uma risada poderosa e contagiante.
- Dr. Bombico, arqueóloga e mestra da mui nobre arte do bem “Bombicar”.
- Gonçalo de Carvalho, fotógrafo, jornalista da BBC, estudante de arqueologia em Londres e fonte inesgotável de histórias.
- Dr. Jean-Yves Blot, arqueólogo e homem cujo discurso é aglomera uma série de estrangeirismos e omonotopeias dignas de um estudo linguístico.
- Helena Piçarra, estudante de arqueologia em Lisboa e, basicamente, uma pobre desgraçada que não sabe no que se veio meter.
- Sónia Simões, estudante de arqueologia em Coimbra e mulher dos sete ofícios (da escalada à pintura, passando pelo cantar o fado e equitação).
- Aléssia Amato, arqueóloga e nosso contacto com a Máfia Italiana.
- Vitor Frazão, estudante de arqueologia e um gajo qualquer.
Enquanto os Penichenses acendem velas, fazem libações e executam macumbas, tudo na mera esperança se sobreviverem a mais esta passagem dos arqueólogos, nós concentramos em trabalho de laboratório. Acabar a inventariação das peças, colocar os últimos pormenores no relatório da escavação e atar todas “as pontas soltas”. Não é um trabalho tão emocionante como mergulhar porém, de modo algum, isto corta a loucura Q.B dos Cortiçentes.
Mal sabem os habitantes de Peniche que a sua má sorte está prestes a piorar. Dentro em breve chegará um exército ainda maior de arqueólogos que, embora mais respeitáveis (ou pelo menos espera-se que sim), serão perfeitamente capazes de moerem a paciência aos nativos. A razão deste fenómeno é o Simpósio “A costa portuguesa no panorama da Rota Atlântica durante a Época Romana”, que decorrerá entre 16 a 18 de Novembro (“os dias do fim” como lhe chamam os autóctones).

Vitor Frazão

terça-feira, novembro 07, 2006

Mar Revolto

“Então o que me diz deste tempo?” é uma daquela frase que utilizamos quando não temos mais tema para diálogo. A chamada conversa fia! Small Talk, para os americanos. Porém esta frase da “conversa pequena” tem muito que se lhe diga hoje em dia, porque, realmente, nas últimas semana o tempo tem dado muito que falar.
No nosso país tão desabituado a grandes temporais e sem infra-estruturas para eles tem havido um pandemónio por todo o lado. Desde autocarros com crianças a serem arrastados pelas águas até barcos atirados para a praia, passando pelo impressionante fenómeno dum Leiria tornada em Veneza. Situações que nos impressionam, embora os sobreviventes de New Orleans olhem para nó de nariz empinado enquanto comentam: “Chama a isso inundações? Puf, tenrinhos!”
“Mas o que é que isto tem haver com arqueologia subaquática em geral e com os Cortiçais em particular?” perguntarão. Bem não é difícil de ver a ligação, afinal nós, os insanos pelintras da arqueologia subaquática, trabalhamos, na maior parte dos casos, sobre o resultado do mau tempo. Querem melhor maneira de afundar um navio?
Terá sido o mau tempo o que provocou o naufrágio da embarcação dos Cortiçais? Na realidade talvez nunca viremos a saber. Porém temos a certeza que os materiais sobreviventes passaram por muitos temporais ao longo dos seus 2000 anos de “residência” subaquática. Com é provado pelo mau estado em que se encontram! Não fosse o sítio torna-se numa autêntica máquina de lavar, em centrifugação máxima, mal o mar se agita! Alguns dos trabalhadores dos Cortiçais já tiveram a possibilidade de sentir na pele este fenómeno.
À medida que ouço relatos de mau tempo por todo o país não consigo evitar pensar que se estivesse a mergulhar nos Cortiçais levariam um dos maiores ensaios de porrada da minha vida! O que, na verdade já, aconteceu visto eu ter sido um dos idiotas que numa manhã da campanha de Maio de 2005 concordara em ir à água.
Os meus companheiros de crime (querendo crime, neste contexto, dizer: “acto de imensa estupidez na execução de um exercício de inútilidade”) foram a célebre Dr. Bombico (autora do post anterior) e Dr. Pedro Almeida. Se há primeira se compreende a loucura, visto ser uma arqueóloga e, como tal, ter pouco ou nenhum juízo, ao segundo esperava-se um pouco mais de bom senso. Afinal um antropólogo deveria ter parco desejo de se juntar aos seus objectos de estudo: os esqueletos.
Seja como for lá fomos nós, incutidos da missão de fazer medições entre os spits (na altura ainda não tinham sido feitas as medidas ou, sequer, instalado todos os spit hoje existentes). Naquele dia (não me perguntem quando pois já não me lembro) o mar estava só um bocadinho agitado, o que não nos preocupou por aí além. “São só uma onditas” pensamos. Porém, debaixo de água, as coisas não eram tão simples como isso.
Assim que saímos do barco e submergimos apercebemo-nos que o trabalho não ia ser assim tão simples. A visibilidade era má (embora já tivéssemos tido mergulhos piores, em que se conseguíssemos ver dois palmos à frente do nariz já jubilava-mos de alegria!), derivado ao facto da agitação levantar areia e demais “coisas” que, doutro modo, estariam sossegadinhas no fundo do mar. Contudo era a própria agitação o nosso maior problema. Ora nos empurrava de um lado para o outro suavemente ora nos lançava, quando menos esperávamos, com mais violência e com uma astúcia digna de um vietcong.
Parecíamos os Três Estarolas! Embatíamos uns nos outros e agredíamo-nos à base de barbatana, à medida que tentávamos afastarmo-nos e ganhar alguma estabilidade. Nesta secção Dr. Bombico ganhava aos ponto, visto conseguir dar a barbatana com um agressividade capaz de rivalizar com Bruce Lee.
Quando finalmente conseguíamos afastarmo-nos o suficiente uns dos outros (não muito ou perdíamos o contacto visual) éramos forçados a agarrar-nos às rochas de todos os modos possíveis e imaginário. Tudo feito com o simples fim de nos reunirmos para decidir como iríamos executar a nossa missão. Porque é que não nos limitávamos a emergir? Primeiro não era garantia que a nossa pequena reunião corresse melhor à superfície e em segundo uma das regras do mergulhador é que: os problemas que surgem debaixo de água (excepto óbvias excepções) resolvem-se debaixo de água.
Claro que a nossa tentativa de imitar lapa não foi tão fácil como se pensaria. Por exemplo, lembro-me de ser afastado da rocha, a que me tentava segurar, só para depois ser atirado contra ela com autoridade, pelas ondas. O processo tornou-se mais “agradável” por só o meu joelho direito se colocar entre a totalidade do meu peso, aliado à força marina, e a rocha. O embate foi tremendo, pelo menos para mim, já que a rocha não se queixou. Enquanto eu a única coisa que tive a presença de espírito para fazer foi proferir um forte insulto, a ninguém em particular (mencionaria qual foi mas o cibernauta já deve desconfiar).
Após um combate épico lá nos conseguimos reunir. A sério foi um combate épico! Não estou a exagerar! Noutra época teriam escrito baladas a elogiar-nos! Pronto, não acreditem!
Seja como for lá nos reunimos e começamos a fazer a primeira medição. Depois dessa tínhamos mais dez para fazer. Quantas fizemos? Bem… só mais uma. O que já foi bem bom, dadas as circunstâncias! Enquanto eu batalhava com a parte da fita métrica (ao ponto de desenvolver por ela um ódio de morte), o Pedro segurando-a a outra ponta ao spit (fazia-o prendendo-se, com as pernas, à pedra do spit, numa posição que o faziam parecer um autêntico cowboy) e a Dr. Bombico tentava ajudar os dois, enquanto se ria a bandeiras despregadas.
Finalizado o trabalho (ou pelo menos o ar e o tempo) e acabados de subir para o barco, só nos resta rir-nos das nossas figuras. Quando nos perguntavam porque é só tirarmos duas medições arranjamos uma desculpa perfeitamente plausível. Afirma-mos que tínhamos defrontado com Tubarão monstruoso, cujo só o olho era do tamanho de duas mãos abertas. Tudo isto regado com vários pormenores do nosso titânico combate com o peixe pré-diluvial. Não creio que o pessoal tenha acreditado na História…