quarta-feira, março 28, 2007

Cortiçais Selvagem


A Associação dos Amigos do Óscar, em colaboração (não oficial) com a National Geographic, apresenta: a fauna dos Cortiçais. Uma série de posts dedicados a dar a conhecer os vários animais subaquáticos (com e sem garrafa) que polvilham esse Quénia subaquático que são os Cortiçais.
O espécime desta semana: o polvo.
Longe dos Cortiçais fugirem à tradição dos naufrágios. Afinal, segundo Hollywood, barco afundado que se preze tem de ter um polvo gigante que, obviamente, guarda o tesouro. Cabe ao arqueólogo/caçador de tesouros combate com o imenso Krakken pela posse do vil metal.
Bem, com o risco de chocar muita gente, tenho de dizer que a realidade é um todinho de nada diferente. Tesouro, nem vê-lo e o polvo não é tão colossal como isso (em 6 m de profundidade um polvo gigante daria um pouco nas vistas e, certamente, depressa seria transformado numa bela refeição com batatinhas a murro e um dente de alho. Especialmente tendo em conta que temos uma marisqueira a 50m do sítio).
Já agora, alguém me explica porque raio é que o polvo tem de guardar o cofre? Porque é que não é outro molusco descomunal qualquer? Ou um bivalve? Quer dizer se calhar era melhor um crustáceo. Um caranguejo hercúleo é capaz de ser mais ameaçador que um mexilhão gigante. O único modo de um mexilhão monstruoso prejudicar alguém seria por indigestão. Na verdade, qualquer coisa que entre no menu de uma marisqueira é capaz de não ser a opção mais aterrorizadora... pelo menos em Portugal. Por muito enorme que o monstro seja asseguro-vos que a resposta de qualquer mergulhador português seria: “Isto com manteiguinha e empurrado com uma «minê», marchava!”
Não se querem algo para guarda tesouros, arcas, barcos afundados e afins escolham algo que meta medo! Tipo... um filme do Manuel de Oliveira ou uma novela da TVI.
Não obstante temos polvos nos Cortiçais. Falo no plural porque sou um optimista. Acredito que haja mais embora só tenha visto um, o que apresento na foto ao lado. O facto de estar debaixo da âncora só é explicado por duas teorias: já lá estava ou apareceu depois. A 1ª é um pouco remota. Era preciso uma pontaria do caraças para acertar num polvo, a 7m de profundidade, com um âncora. Até porque o único modo de lhe acertarem seria se o polvo estivesse paralisado por bebedeira (o que não é tão improvável como isso...).
Portanto a única explicação possível é o octopus vulgaris ter ido para lá após a ancoragem. O que levante uma questão bem mais grave: sabotagem. Estaria este molusco terrorista a efectuar um atentado às nossas hostes? Num grito independentista para expulsar os invasores da superfície? Se o estava a fazer é perfeitamente compreensível e muito me admira que os restantes autóctones não avançarem para defender a sua casa e o seu modo de vida! Sacanas dos mergulhadores!!

Presidente da AAÓ, em solidariedade com os nossos camaradas invertebrados oprimidos.

quarta-feira, março 14, 2007

Perdidos

Quanto perdemos ao longo da vida? Não me refiro a tempo desperdiçado, pessoas que nos abandonam ou oportunidades desaproveitadas, refiro-me à quantidade de objectos que perdemos a medida que avançamos nesta montanha russa (sem alguns parafusos) que é a vida.
Quer seja perdido por alguns momentos ou para a eternidade, todos já perdemos dezenas de coisas. Aposto que não precisa de puxar muito pela memória para lembrar o último item que perdeu. Passamos metade da nossa vida a perder algo e a outra metade a procura-lo. Desde as incessantes buscas pelo comando (mesmo sabendo que o tínhamos no minuto anterior!) às demandas pelas chaves do carro, ninguém escapa a uma boa investigação.
Existem outros que, não satisfeitos com a actividade de busca no dia-a-dia ainda fazem disso uma profissão. Porque é isso que faz um arqueólogo, procurar coisas! E, nesta actividade (quer seja à superfície ou debaixo de água), há sempre surpresas. Podemos ir à procura de algo e encontrar, precisamente, o que queríamos mas a maior parte das vezes não é assim. Podemos começar por procurar um barco e não encontrar ou pelo menos não do modo que esperávamos. E se pensa que a descoberta é o fim estão enganados, ela só leva a mais buscas! Entramos num círculo vicioso que alguns poderiam considerar frustrante, porém, para nós constitui um estímulo (tenhamos em conta que neste meio à muito delírio. Se a isto acrescentarmos o meio subaquático...).
É por isso que quando alguém na equipa perde algo acabamos por aceitar bastante bem (excepto o dono desse algo e o tipo que perde). Afinal, se alguém não tivesse perdido um barco, há dois mil anos, o projecto dos Cortiçais não existia.
Quando perdeu a Caixa Azul, a Dr. Bombico ficou bastante chateada, mas talvez não ficasse se tivesse em conta o que já se perdeu nos Cortiçais: o punção nº 1, faca de mergulho de Jorge Russo, carreto da bóia de sinalização de Miguel Aleluia, spits (desde algumas partes a spits inteiros), fitas métricas, pesos de lastro, placas de acrílico, lápis (para escrever nas ditas), válvulas de garrafa e sacos de mergulho. Isto, só para citar alguns dos materiais.
Claro que também podemos falar nas horas que perdemos: a tagarelar (na maior parte das vezes n' "A Sardinha"); a lutar para entra e, já agora, sair do fato; a carregar e descarregar o barco; a tratar das peças (etiquetar, fotografar, pesar e embalar); a trabalhar no computador (renomear fotos, inserir dados, manipular o webdsm, fazer relatórios...); sair à noite; assediar e gozar-nos uns aos outros e rir da mesma piada vezes sem conta (é notável como as anedotas mais simples podem ser usadas durante tanto tempo, quando se trabalha com gente tão alucinada). Por outro lado, poucos considerariam isto como tempo perdido...
Em relação aos materiais perdidos nos Cortiçais? Bem, muitos deles são histórias por si só.

Vitor Frazão

terça-feira, março 06, 2007

O resgate da Caixa Azul


A semana passada a Dr. Bombico presenteou-nos com um relato das suas aventuras com a saudosa Caixa Azul. Pois bem, desta feita lerão a história contada pelos que tiveram na operação de salvamento.
No resgate participaram: do presidente da GEPS, Jorge Russo; o enorme Miguel Aleluia, do CNANS (o enorme é referente à sua envergadura. O gajo é mesmo grande! Como aquele tipo no filme “Stallone Prisioneiro”, a quem chamavam Eclipse, pois tapava muito sol.) e o vosso amigo (ou não): Vitor Frazão. Como todos os restante têm mais que fazer da vida, cabe-me a mim a narrativa dos acontecimentos.
No dia seguinte ao fatídico desaparecimento da Caixa Azul reuniram-se duas equipas: os que entabulariam as operações se resgate e os que continuariam o trabalho propriamente dito.
Tendo registado no GPS o local, aproximado, onde Bombico emergira (cerca de 100 metros do local de trabalho – como vêm um pequenino desvio), dirigimo-nos ao local. Efectuamos a sondagem utilizando cordas com chumbos (para não andarem a flutuar) como pontos de referência (a última coisa que precisava-mos era de alguém se perder e aparecer nas Berlengas). Basicamente existiam duas frentes de prospecção: dum lado Miguel One-Man-Army Aleluia, do outro eu e Russo.
Os 14 metros de profundidade (para quem nos dias anteriores estivera habituado a um máxima de 6) depressa elevaram o grau de estupidez. Especialmente a minha. Como foi provado por Russo me mandar ir para um lado (não levamos placas de acrílico e a linguagem gestual não facilitou a compreensão) e eu ir para outro. Seja como for fizemos a nossa prospecção. Encontramos a caixa? Não, senhor. Mas descobrimos um bom local de mergulho.
A zona era arenosa, na sua maioria, mas volta e meia apareciam aglomerados de rochas. Existiam rochas com formas interessantes: arcos, espigões, etc. Algumas das quais eram versões “vitaminadas” dos ingueiros dos Cortiçais, nos quais, devido à corrente, assentava um camada de restos de algas flutuantes, dando um aspecto místico à coisa.
A Caixa Azul acabou por ser encontrada, por Miguel Aleluia, a meio caminho entre o Cortiçais e o local de prospecção. Escusado será mencionar quão grande foi o alívio de Sónia Bombico.
Eu e Russo pouco ganhamos com tudo aquilo, para além de um passeio subaquático. Quer dizer, eu ganhei uma infecção horticária de anémona na cara (sabem como é... com as luvas não sabemos onde pomos as mão e depois...).
Ah, já me esquecia! Ganhamos outra coisa, fomos violentamente atacados nas nossas auto-estimas. Quando chegamos ao Q. G. dos Cortiçais e informamos a equipa de terra da descoberta da Caixa Azul, Sónia Simões (Sónia Pequena, como lhe chamamos) brindou-nos com um comentário simples mas maldoso: “Claro que foi o Miguel que a encontrou.” Que é como quem diz: “Teve de ser o Miguel, porque vocês, seu palhaços, não são capazes de encontrar os próprios narizes, nem que as vossas vidas dependessem disso!” Comentário a que devemos ter respondido algo do género: “Sobe para uma cadeira e diz-nos isso na cara!”

Vitor Frazão