segunda-feira, outubro 30, 2006

Faina ou Copos?


Pois bem, a par dos meus digníssimos colegas, amigos e companheiros de luta subaquática (esta parte é obviamente graxa, porque como todos sabem essa é uma prática ainda muito em voga neste nosso Portugal!) chegou também a minha vez de escrever algumas palavras acerca desta grande aventura que são os “Cortiçais”!

Quando, em Maio de 2005, me disseram se queria participar numa campanha arqueológica subaquática em Peniche, pensei durante 2 segundos (olhem que isto para uma Alentejana, não é fácil!) e decidi aceitar. Óbvio que só nos minutos seguintes, enquanto descia os degraus das Escadas Monumentais (essa grande obra que algures na História portuguesa um tal de Regime Salazarista achou por bem construir em plena Alta de Coimbra), me dei conta que tinha trocado a tão esperada Queima das Fitas Coimbrã, por uma escavação subaquática, sabe-se lá com que figuras e personagens estranhas desse mundo da arqueologia. Óbvio que, assim que me alcancei em terreno plano, decidi “emborcar” um fino (expressão utilizada a Norte do Mondego para essa grande criação egípcia – A Cerveja – à qual em terras do Sul chamamos Imperial!). È que pensei para comigo mesma, como é que fiz isto…devo confessar que estou verdadeiramente traumatizada até aos dias de hoje!
Mas, meus caros leitores, a experiência “Cortiçais-2005” revelou-se alucinante, estonteante, perturbante, e todos os adjectivos que queiram acrescentar que descrevam apneias de riso, alguma dose de álcool no sangue, e música cantada em espanhol e brasileiro…a verdadeira loucura portanto! E onde fica o trabalho arqueológico no meio de tudo isto? Perguntaram vocês…pois bem, fica exactamente no meio dessas actividades, chamadas lúdicas. Afinal de contas, não íamos deixar na mão, esse “supra sumo da barbatana”, com uma reputação científica a defender, Jean-Yves Blot, o dono do “Bom dia” mais motivante que alguma vez ouvi!

Por mais discretos que possamos ser, a presença sazonal deste grupo de “pelintras” (no dizer do nosso querido Presidente da GEPS) não passou despercebida às gentes Penicheiras. Afinal, gajos que se levantam ás 7h da manhã, que “enfardam” que nem doidos na Pastelaria mais próxima, que saem de dentro de água com sacos de cacos, em vez de amêijoas ou berbigão, não poderão passar despercebidos. Isto sem falar do final de dia, passado no Restaurante local “Sardinha” (o Senhor gerente fica já a saber que me pode agradecer esta publicidadezita com uma Bohémia de graça!) a rir que nem uns perdidos, sob o efeito não do vinho ou da cerveja que malharam, mas das experiências de vida hilariantes do digníssimo e mui viajado Presidente do GEPS! (O homem até já esteve em Rabat, capital de Marrocos).

Et voilá… meus amigos é por tudo isto que elevo as mãos aos céus e agradeço o facto de, naquele dia descendo as Monumentais, ter decidido dizer: “Sim, vou!”.
Quando chego ao fundo, me ajeito assim numa posição confortável entre as rochas (uma Alentejana procura sempre a melhor forma de “fazer que trabalha”!), e desato a sacar cacos e sugar areia, sinto que sou feliz! Mesmo quando passo dias e dias frente ao computador a renomear fotos; quando sou recrutada para a linha de montagem de “enchoriçamento” de cacos; quando estou à beira do esgotamento depois de ver números e números de etiquetas, naquela fase do “pronta para uma consulta psiquiátrica com o Dr. Óscar”, há sempre uma réstia de vontade e energia para mais uma brincadeira!
Porque há sempre aquela expressão matinal – “Pá Faina!”; porque há sempre aquela gargalhada da Maricato; porque há sempre aquele requinte da Máfia Italiana da Alessia; porque há sempre uma história hilariante para ouvir da boca do Jorge; porque há sempre aquela esperança de que vai aparecer um “gajo bom” ou de “olhos azuis” para ajudar no fim-de-semana (a cortesia para com os restantes intervenientes masculinos nestas andanças não me permite tecer mais comentários); porque há sempre um “Bom dia” para ouvir, vale a pena continuar a “Bombicar” (verbo que descreve a acção de abrilhantar um espaço com a minha presença e espírito, entenda-se!) nos Cortiçais!




Sónia Bombico (Conhecida por “A Bombico”)
Arqueóloga, Membro da GEPS e feliz colaboradora dos Cortiçais!

segunda-feira, outubro 23, 2006

Um dia nos Cortiçais - Parte II


Se bem se lembram na última edição comecei a falar da vida nos Cortiçais. Contudo, como as ideias começam a rarear tive de fazer render o «peixe» e deixar a conclusão desse relato para esta edição. Para além disso, convenhamos: o texto estava a ficar grande demais e textos grandes são uma seca!
Tínhamos ficado onde? À sim! A chegada do Argos ao local de mergulho.
Pois bem, uma vez chegados ao sítio só queremos pôr o equipamento e saltar para a água. Mas, «cadelas apressadas parem cães cegos...» por isso há que ir com calma e verificar o material uns dos outros. O primeiro a descer é o que vai colocar a mangueira da sugadora no local, para que ela possa tirar areia. Só então os restantes descem, sobre a vigilância do «homem do barco» que tem a função de ligar a moto-bomba da sugadora e o «privilégio» de ficar a ouvir o seu barulho ensurdecedor, capaz de rivalizar com um motor a jacto.
Entretanto debaixo de água os mergulhadores vivem a melhor altura do dia... A partir do momento que fazem a imersão aquele calor abrasador e o aperto que sentiam por todo o corpo, causados pelo fato, desaparecem. Ficamos num momento Zen, em que o som da nossa respiração é a única distracção. Claro que nem todos os mergulhos são ideais e mesmo um mergulho que começa bem pode tornar-se desconfortável.Mas as vicissitudes das imersões nos Cortiçais ficarão para outra edição.
À medida que vai acabando o mergulho vamos subindo para o barco, já que nem todos têm o mesmo que fazer, nem os mesmos pulmões. Que o diga Carla Maricato, dona de uma capacidade de economia de ar fora do normal, que muitas vezes tem de acabar o que os outros deixaram a meio. Como ela disse e muito bem: “É o que dá trabalhar com gajos vão-se embora e deixam tudo desarrumado”.
Acabado o mergulho da manhã e tendo puxado todos para o barco (o que por vezes ganha características de autêntica pesca ao atum) preparamo-nos para ir almoçar. Se as coisas correm bem (escusado será dizer que raramente isso acontece) temos a equipa terrestre à nossa espera com o repasto. Senão lá temos de ir colocando as garrafas a encher, para o mergulho da tarde, enquanto aguardamos.
Uma vez chegados os víveres dá-se mais uma prova de que o projecto dos Cortiçais é feito por uma cambada de labregos. Nem é tanto o facto de fazermos um piquenique ali mesmo no cais! Isso até é castiço! É mais o fenómeno que se dá quando nos esquecemos das ferramentas adequadas para comer. Então dão se cenas como beber sopa através de tubos de mergulho ou copos de plástico, comer arroz com as etiquetas dos materiais e outras parolices...
Finalizado o almoço fazem-se as substituições entre as equipas, se for caso disso e voltamos a embarcar, com garrafas reenchidas, pois é hora de novo round subaquático.
Após o terminus do mergulho da tarde, por vezes a horas mais avançadas do que gostaríamos, voltamos ao ritual da manhã, mas inverso. Descarregar o barco, ir ao armazém, lavar o equipamento e, claro, novo combate com o fato de mergulho (de tal modo intenso que há quem considere dormir com ele vestido). Felizmente, o cheiro a neopreme e outras substâncias que me recuso a nomear, faz com que se desista da ideia.
Nesse momento, o que se quer é chegar ao Q.G. e tomar um banho antes de irmos para o “Sardinha”, o restaurante que tem a infelicidade de nos dar de comer. Escusado será dizer que se no pequeno-almoço se fez o briefing do que havia a fazer, ao jantar se fala do que foi feito e descoberto nesse dia e no que deve ser feito no dia seguinte. Claro que no meio das conversas sérias se contam as peripécias da jornada, quer da equipa de mar quer da de terra.
Conclusão, é raro sairmos do restaurante antes das 23h, para desespero do pessoal do “Sardinha”, que são demasiado educados para nos correrem a pontapé.
A partir daqui os destinos são vários. Os mais corajosos aventuram-se na louca noite de Peniche, não muito já que no dia seguinte também há trabalho. Outros vão para o Q.G. fazer a sua ficha de mergulho, que não conseguiram preencher antes do jantar. Estas fichas são essenciais para o trabalho dos Cortiçais visto que é nelas que são reproduzidos os desenhos, medições e todos os outros trabalhos subaquáticos. Em suma: raro é o trabalhador dos Cortiçais que se vá deitar antes da 1h.
Às 7h do dia seguinte lá estamos de volta.
O que é que leva um grupo de pessoas a dedicar-se a esta actividade tão cansativa? Alguns até usam o tempo de férias para isto e muitos sequer estão profissionalmente relacionados com a Arqueologia!
Gosto de pensar que é a sua intensidade que torna este trabalho tão atractivo. Uma pessoa está tão envolvida, esforça-se tanto e diverte-se tanto que se esquece dos problemas. No final sai-se com uma sensação de obra feita e com um milhão de histórias para contar.
Ou então somos mesmo doidos!
Julgue por si mesmo!

Vitor Frazão

terça-feira, outubro 17, 2006

Um dia nos Cortiçais - Parte I


Se há algo que tem vindo a ser provado por este blog é que o pessoal da arqueologia subaquática não é propriamente… vamos lá… normal. Seja lá o que isso for! Independentemente dos conceitos de normalidade nós, da arqueologia subaquática, somos sempre olhados com estranheza. Afinal que raio de gente é esta que é capaz de se levantar às 7h para ir mergulhar quando, muitas vezes, esteve até às 2h em trabalho de gabinete? É para verem o grau de demência desta gente (o que de algum modo explica fenómenos com a AAÓ) que eu proponho mostrar-vos: um dia nos Cortiçais. Porém o texto é tão extenso que decidi expô-lo em duas partes. Sabem como é, tem de se fazer render o «peixe».
Somos acordados à 7h por um muito bem disposto Jean-Yves Blot. O despertar é feito por uma frase que já se tornou mítica entre os membros da equipa: “Bom dia! O mar está espectacular!” Acreditem, esta descrição não faz justiça à sua audição ao vivo!
Uma vez acordados lá nos levantamos, uns mais ensonados que outros, e nos preparamos para sair da Casa da Juventude de Peniche, o nosso dormitório/Quartel-General dos trabalhos arqueológicos. Não sem antes nos chocarmos com o facto de, por vezes, já haver gente acordada a trabalhar no portátil. Sempre há aqueles que, entre os doidos, são especialmente loucos.
Uma vez saídos do Q.G. qual é o objectivo? Comida! Naquele momento pouco mais queremos de que pôr algo no bucho, pois aquele «bichinho» que nos puxa para o mergulho já começou a dar sinal. Invadimos a pastelaria do costume e delineamos os planos do dia: quem vai fazer o quê e de que modo. Porque tem que ser assim! Toda a gente sabe que neste país os melhores planos e projectos são criados e discutidos à mesa. Para que as ideias fluam é preciso que igualmente o façam a comida e a bebida!
Acabado o repasto e o briefing saímos sem pagar (cortesia da Câmara Municipal de Peniche). Chega então a altura de dividir as tropas: uns voltam para o Q.G. para a árdua tarefa de processamento dos materiais recolhidos e outros, os com as perturbações mentais mais graves, saltam para dentro dum poderoso Defender da CNANS rumo ao armazém onde estão os equipamentos de mergulho.
É a partir deste momento que nos começamos a aperceber da séria «pancada» que este pessoal tem. A quantidade de trabalho que cada mergulhador vai ter para se meter dentro de água fria! Sim porque, dê lá por onde der, a água acaba sempre por estar fria (que o diga o pessoal sem fato seco).
Em primeiro lugar lá juntamos todo o material necessário à imersão. Coisas leves como cintos de chumbo e assim… Monta-se a garrafa no colete e colocam-se as tralhas no atrelado (pelo qual todos damos graças senão teríamos de acartar todo o equipamento até ao cais, o que ainda são uns bons 100 a 200 metros).
Se pensam que a aparte mais difícil já passou desenganem-se, segue-se o mais difícil: uma luta titânica para vestir o fato de mergulho. Entre o mergulhador e o fato dá-se um autêntico combate de wrestling, no qual o lutador mais leve tem sempre a vantagem, aplicando imensas manobras de imobilização. Mas lá o conseguimos vencer, após enormes sequências de puxões e usando todos os truques possíveis, desde o clássico pó de talco até ao sabão líquido, passando por um double team com qualquer outro mergulhador. Claro que existe sempre aqueles mergulhadores que gostam de meter nojo trazendo uns fatinhos fáceis de colocar, que mais parecem feitos para fazer automobilismo (não é menino Jorginho?!).
Acabado o combate fechamos o armazém e vamos a pé até ao cais, pois o transporte já foi à frente com o equipamento. Entretanto estamos entalados dentro de um fato de mergulho (sauna pessoal) e temos um só desejo: que nos atirem para a água, que lá é que se está bem! No entanto, antes de chegarmos a esse nirvana ainda há que fazer… Nomeadamente carregar o barco, o grandioso Argos (sobre o qual dedicarei um artigo neste blog), com nada mais nada menos que uma moto-bomba, uma caixa com as mangueiras da sugadora, a «caixa azul» (usada para que as cerâmica sofram o mínimo da danos possíveis no transporte e cujas aventuras relataremos um dia) e todo o equipamento de mergulho. Só depois do Argos estar cheio, qual táxi marroquino, chega a vez de entrarem os mergulhadores e iniciar-se a viagem, que embora curta tem episódios interessantes.
Chega a vez do mergulho!
Tal como nós tivemos de esperar agonizantemente pela imersão, o caro cibernauta terá de esperar pela próxima edição para saber mais sobre “a vida nos Cortiçais”.

Vitor Frazão

segunda-feira, outubro 02, 2006

Nem tudo o que brilha...


Uma vez disseram-me que a linha que separa um arqueólogo de um trolha é muito ténue. O que é verdade! Cada vez mais noto que, depois de um dia de trabalho à chapa do Sol, o que mais anseio é um boa mine gelada. E digo-vos quando estico o braço e fecho os dedos sobre aquela garrafa sabe bem, mas quando a cerveja fresca me escorre pela garganta, com mil raio, sabe-me pela vida! Com muitos dos meus colegas, pelo menos aqueles que se dignam a trabalhar numa escavação, é a mesma coisa.
Na arqueologia subaquática não é diferente. Há Pouco que separe um mergulhador dum arqueólogo. Não quero dizer que, quer no caso do trolha quer do mergulhador, tenha que existir uma separação! Afinal um arqueólogo que trabalho no campo apreende mais do que um que só analisa o local depois de trabalhado ou as peças já recolhidas! Para além do mais, aqui entre nós, o que é que inspira mais um chefe que está sentado a dar ordens ou um que está ali, nas trincheiras, a trabalhar lado a lado connosco?
Não, a diferença entre o arqueólogo e os demais trabalhadores não deve ser o que faz mas o modo como o faz. Um arqueólogo tem a obrigação de ter os olhos mais bem treinados para detectar os materiais e os interpretar. Deve ser capaz de distinguir o que é artefacto do que é puro e simples lixo.
Claro que nem sempre isso acontece e até o mais treinado dos olhos comete erros. Especialmente dentro de água onde todos ficamos um pouco mais estúpidos. Então se já formos estúpidos à superfície… Enfim por vezes trazemos pedaços de tijolo mas que lá debaixo pensávamos ser um fragmento de ânfora ou um prego que pensamos ser romano mas depois acaba por ser do ano passado.
Felizmente que o valor dos objectos é dado por aqueles que os interpretam. Deste modo a Associação dos Amigos do Óscar tem o orgulho de apresentar a mais reveladora das descobertas dos Cortiçais (pelo menos do nosso ponto de vista). A peça na fotografia é a prova que os barcos romanos tinham espelho retrovisor! Os cépticos dirão que é o espelho retrovisor de uma moto mas os membros da AAÓ podem provar categoricamente que ele pertencia a um barco romano. Como? Nomeadamente porque sim!
Já vira o pesadelo que seria para um timoneiro romano manobrar sem espelho retrovisor? É que nem sempre chegamos a um antigo porto romano e encontramos um estacionamento fácil! E as ultrapassagens? Está bem que também se fazem sem espelho, mas são mais difíceis!
“Um barco romano não tinha retrovisores” dizem os sépticos. Idiotices! Calúnias! O que dirão a seguir? Já agora um barco também não teria tubo!? Aliás está bem documentado o chamado Toningus Nauticus! Onde é que está documentado? No Plínio, afinal o gajo fez tratado por tudo e mais alguma coisa, por isso deve estar no Plínio! Quantos romanos não se terão divertido a quitar os seus barcos! Com que objectivo? Parece-me óbvio, atrair gajas! Imagine-se um romano, na sexta a noite, a aportar nas docas de Roma na sua bomba! Barco todo platinado, com brutas colunas de som a bombar um música repetitiva, luzes de néon no fundo da embarcação e um suspensão hidráulica de fazer ondas no lago mais calmo. Oh yeah!!!
Para o caro cibernauta ver o que é que os membros da AAÓ são capazes de inventar. Tudo isto só para não admitirem que se enganaram e trouxeram um pedaço de lixo lá de baixo. Quer dizer… lixo não arqueológico. Isto leva muita gente a pensar que não é só ar que está dentro daquelas garrafas…

Vitor Frazão, o vosso editor em repouso.