terça-feira, outubro 17, 2006

Um dia nos Cortiçais - Parte I


Se há algo que tem vindo a ser provado por este blog é que o pessoal da arqueologia subaquática não é propriamente… vamos lá… normal. Seja lá o que isso for! Independentemente dos conceitos de normalidade nós, da arqueologia subaquática, somos sempre olhados com estranheza. Afinal que raio de gente é esta que é capaz de se levantar às 7h para ir mergulhar quando, muitas vezes, esteve até às 2h em trabalho de gabinete? É para verem o grau de demência desta gente (o que de algum modo explica fenómenos com a AAÓ) que eu proponho mostrar-vos: um dia nos Cortiçais. Porém o texto é tão extenso que decidi expô-lo em duas partes. Sabem como é, tem de se fazer render o «peixe».
Somos acordados à 7h por um muito bem disposto Jean-Yves Blot. O despertar é feito por uma frase que já se tornou mítica entre os membros da equipa: “Bom dia! O mar está espectacular!” Acreditem, esta descrição não faz justiça à sua audição ao vivo!
Uma vez acordados lá nos levantamos, uns mais ensonados que outros, e nos preparamos para sair da Casa da Juventude de Peniche, o nosso dormitório/Quartel-General dos trabalhos arqueológicos. Não sem antes nos chocarmos com o facto de, por vezes, já haver gente acordada a trabalhar no portátil. Sempre há aqueles que, entre os doidos, são especialmente loucos.
Uma vez saídos do Q.G. qual é o objectivo? Comida! Naquele momento pouco mais queremos de que pôr algo no bucho, pois aquele «bichinho» que nos puxa para o mergulho já começou a dar sinal. Invadimos a pastelaria do costume e delineamos os planos do dia: quem vai fazer o quê e de que modo. Porque tem que ser assim! Toda a gente sabe que neste país os melhores planos e projectos são criados e discutidos à mesa. Para que as ideias fluam é preciso que igualmente o façam a comida e a bebida!
Acabado o repasto e o briefing saímos sem pagar (cortesia da Câmara Municipal de Peniche). Chega então a altura de dividir as tropas: uns voltam para o Q.G. para a árdua tarefa de processamento dos materiais recolhidos e outros, os com as perturbações mentais mais graves, saltam para dentro dum poderoso Defender da CNANS rumo ao armazém onde estão os equipamentos de mergulho.
É a partir deste momento que nos começamos a aperceber da séria «pancada» que este pessoal tem. A quantidade de trabalho que cada mergulhador vai ter para se meter dentro de água fria! Sim porque, dê lá por onde der, a água acaba sempre por estar fria (que o diga o pessoal sem fato seco).
Em primeiro lugar lá juntamos todo o material necessário à imersão. Coisas leves como cintos de chumbo e assim… Monta-se a garrafa no colete e colocam-se as tralhas no atrelado (pelo qual todos damos graças senão teríamos de acartar todo o equipamento até ao cais, o que ainda são uns bons 100 a 200 metros).
Se pensam que a aparte mais difícil já passou desenganem-se, segue-se o mais difícil: uma luta titânica para vestir o fato de mergulho. Entre o mergulhador e o fato dá-se um autêntico combate de wrestling, no qual o lutador mais leve tem sempre a vantagem, aplicando imensas manobras de imobilização. Mas lá o conseguimos vencer, após enormes sequências de puxões e usando todos os truques possíveis, desde o clássico pó de talco até ao sabão líquido, passando por um double team com qualquer outro mergulhador. Claro que existe sempre aqueles mergulhadores que gostam de meter nojo trazendo uns fatinhos fáceis de colocar, que mais parecem feitos para fazer automobilismo (não é menino Jorginho?!).
Acabado o combate fechamos o armazém e vamos a pé até ao cais, pois o transporte já foi à frente com o equipamento. Entretanto estamos entalados dentro de um fato de mergulho (sauna pessoal) e temos um só desejo: que nos atirem para a água, que lá é que se está bem! No entanto, antes de chegarmos a esse nirvana ainda há que fazer… Nomeadamente carregar o barco, o grandioso Argos (sobre o qual dedicarei um artigo neste blog), com nada mais nada menos que uma moto-bomba, uma caixa com as mangueiras da sugadora, a «caixa azul» (usada para que as cerâmica sofram o mínimo da danos possíveis no transporte e cujas aventuras relataremos um dia) e todo o equipamento de mergulho. Só depois do Argos estar cheio, qual táxi marroquino, chega a vez de entrarem os mergulhadores e iniciar-se a viagem, que embora curta tem episódios interessantes.
Chega a vez do mergulho!
Tal como nós tivemos de esperar agonizantemente pela imersão, o caro cibernauta terá de esperar pela próxima edição para saber mais sobre “a vida nos Cortiçais”.

Vitor Frazão