segunda-feira, outubro 02, 2006

Nem tudo o que brilha...


Uma vez disseram-me que a linha que separa um arqueólogo de um trolha é muito ténue. O que é verdade! Cada vez mais noto que, depois de um dia de trabalho à chapa do Sol, o que mais anseio é um boa mine gelada. E digo-vos quando estico o braço e fecho os dedos sobre aquela garrafa sabe bem, mas quando a cerveja fresca me escorre pela garganta, com mil raio, sabe-me pela vida! Com muitos dos meus colegas, pelo menos aqueles que se dignam a trabalhar numa escavação, é a mesma coisa.
Na arqueologia subaquática não é diferente. Há Pouco que separe um mergulhador dum arqueólogo. Não quero dizer que, quer no caso do trolha quer do mergulhador, tenha que existir uma separação! Afinal um arqueólogo que trabalho no campo apreende mais do que um que só analisa o local depois de trabalhado ou as peças já recolhidas! Para além do mais, aqui entre nós, o que é que inspira mais um chefe que está sentado a dar ordens ou um que está ali, nas trincheiras, a trabalhar lado a lado connosco?
Não, a diferença entre o arqueólogo e os demais trabalhadores não deve ser o que faz mas o modo como o faz. Um arqueólogo tem a obrigação de ter os olhos mais bem treinados para detectar os materiais e os interpretar. Deve ser capaz de distinguir o que é artefacto do que é puro e simples lixo.
Claro que nem sempre isso acontece e até o mais treinado dos olhos comete erros. Especialmente dentro de água onde todos ficamos um pouco mais estúpidos. Então se já formos estúpidos à superfície… Enfim por vezes trazemos pedaços de tijolo mas que lá debaixo pensávamos ser um fragmento de ânfora ou um prego que pensamos ser romano mas depois acaba por ser do ano passado.
Felizmente que o valor dos objectos é dado por aqueles que os interpretam. Deste modo a Associação dos Amigos do Óscar tem o orgulho de apresentar a mais reveladora das descobertas dos Cortiçais (pelo menos do nosso ponto de vista). A peça na fotografia é a prova que os barcos romanos tinham espelho retrovisor! Os cépticos dirão que é o espelho retrovisor de uma moto mas os membros da AAÓ podem provar categoricamente que ele pertencia a um barco romano. Como? Nomeadamente porque sim!
Já vira o pesadelo que seria para um timoneiro romano manobrar sem espelho retrovisor? É que nem sempre chegamos a um antigo porto romano e encontramos um estacionamento fácil! E as ultrapassagens? Está bem que também se fazem sem espelho, mas são mais difíceis!
“Um barco romano não tinha retrovisores” dizem os sépticos. Idiotices! Calúnias! O que dirão a seguir? Já agora um barco também não teria tubo!? Aliás está bem documentado o chamado Toningus Nauticus! Onde é que está documentado? No Plínio, afinal o gajo fez tratado por tudo e mais alguma coisa, por isso deve estar no Plínio! Quantos romanos não se terão divertido a quitar os seus barcos! Com que objectivo? Parece-me óbvio, atrair gajas! Imagine-se um romano, na sexta a noite, a aportar nas docas de Roma na sua bomba! Barco todo platinado, com brutas colunas de som a bombar um música repetitiva, luzes de néon no fundo da embarcação e um suspensão hidráulica de fazer ondas no lago mais calmo. Oh yeah!!!
Para o caro cibernauta ver o que é que os membros da AAÓ são capazes de inventar. Tudo isto só para não admitirem que se enganaram e trouxeram um pedaço de lixo lá de baixo. Quer dizer… lixo não arqueológico. Isto leva muita gente a pensar que não é só ar que está dentro daquelas garrafas…

Vitor Frazão, o vosso editor em repouso.