Tesouro dos Cortiçais
Calma minha gente! Antes de correrem para os equipamentos de mergulho ou para os simples tubos, para iniciarem a pilhagem, leiam todo o texto. Lembrem-se que nem todos os tesouros são de ouro! No caso dos Cortiçais a riqueza é noutra matéria, conhecimento. E mais, conhecimento na forma de “cacos”!
“O homem tá parvo!” dirão “ Mas que raio de tesouro é conhecimento e como diacho é que o conseguimos através de «cacos»?”
Passo a explicar: primeiro, de acordo com os meus colegas de campanha, eu não tou parvo, eu sou parvo. Depois o facto de não considerar conhecimento um tesouro já entra na área das escolhas de cada um. Por fim, e com muito mais interesse, asseguro que os “cacos” nos podem ensinar muita coisa.
Às peças encontradas, quer pelo achador quer nos trabalhos de 2004, chamo “cacos” pois são-no. Não se encontraram daquelas peças inteiras e bonitas como nos museus, mas simples fragmentos de cerâmica. Embora algumas sejam maiores e mais definidas todas elas estão partidas. O que não é de admirar visto estarem à 2000 anos num sítio que basicamente funciona, em certas alturas, tipo máquina de lavar (como alguns de nós, mergulhadores dos Corticais, puderam constatar em primeira mão).
O que é que estes “cacos” nos podem ensinar? Graças A. M. Dias Diogo sabemos que, os fragmentos recolhidos pelo achador e nos trabalhos 2004, pertencente a ânforas de tipo Haltern 70 (assim chamadas pelas primeiras terem sido descobertas num acampamento romano em Haltern, Sul da Alemanha, em 1909). As ânforas eram contentor cerâmicos de transporte muito usado na Antiguidade e, normalmente, tinham formas tão específicas que só por aí indicavam o que continham e de onde são. Tal como hoje em dia se olharmos para um garrafa de Coca-Cola, mesmo sem rótulo, sabemos a que pertence.
Sabemos Haltern 70 era feita na antiga província romana da Bética ou seja na actual Andaluzia. Quanto ao que levava é uma questão que dá pano para mangas e leva a autênticas batalhas campais entre os estudiosos. Quer dizer a discussão não é tanto sobre o que é que ia nas Haltern 70, sobre isso tem-se quase a certeza que levavam "defructum". Afinal já apareceram Haltern 70 (não nos Corticais mas noutros sítios) que tinham inscrições a dizer basicamente que “sim senhor isto leva «defructum»” (isto em latim). A porca torce o rabo quando é para dizer o que caraças é o "defructum". Uns dizem que é vinho e vinho do bom. Outros dizem que é mosto. Há ainda quem afirme que este producto era usado para conservar azeitonas. Em fim, as teorias são muitas, as provas a favor ou contra ainda são mais.
Uma coisa é certa, o barco vinha da Bética e trazia um produto de algum valor. Para onde ia? Não sabemos, embora este tipo de carregamento tenda a estar associado ao abastecimento de tropas em combate nas terras a Norte. Tal como hoje os americanos no Afeganistão consideram que, já que estão a combater, o mínimo que os seus líderes lhes podem fazer é dar-lhe umas Coca-Colas, também o moral do soldado romano seria melhor agradado com a oferta de produtos que lhe lembrassem casa.
Este é o nosso tesouro, que nos premite ligar com pessoas mortas à 2000 anos.
Até ao meu regresso continuem a navegar!
Vitor Frazão.
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