quinta-feira, abril 26, 2007

Mudanças

Entre aquelas petas clássicas que nos costumam impingir desde cachopos (em conjunto com frases míticas como: “os bebés vêm de França com a cegonha” ou “o que conta é o interior”), está aquele conceito que mudança é algo positivo. Provérbios do tipo: “para melhor muda-se sempre”, força muitos a pensar que mudar é bom, o que nem sempre é verdade.
Ter um emprego num dia e não no outro, perder alguém chegado ou deixar de se ter um curso dum momento para o outro, tudo isto são mudanças mas, corrigia-me se estiver errado, só uma pessoa muito perturbada é que acharia estas mudanças boas!
Certo, certo nem todas as mudanças são negativas. Mas mesmo que as mudanças sejam boas, fazer mudanças nunca o é! Mudar da casa A para a habitação B pode trazer um mundo de benefícios, porém, não há ninguém que fique na mesma depois de o fazer. Não refiro aos inconvenientes de habituação à casa nova, aos vizinhos ou ao bairro em geral, falo do efectivo acto de mudança. Pegar nas tralhas que estavam no “pardieiro” anterior para a nova “cocheira”.
Ninguém volta a ser o mesmo depois dos traumas físicos e mentais duma mudança. A raiz de tamanho mal é a tendência absurda e compulsiva que nós, humanos em geral e portugueses em particular, temos para acumular tralha. Desde coisas como livros escolares ou brinquedos de bebé (porque toda a gente diz: “não deites isso fora, para um dia mostrares aos teus netos!” Calculo que essa minha descendência terá tanto interesse pelos meus Legos, como eu tenho pela roca do meu avô!), a resmas de revistas e jornais velhos, passando por meia dúzia de peças de roupa que queremos esquecer que alguma vez usamos e outro que o único modo de voltarem a servir seria um acto de Deus!
Pensar-se-ia que cambiar de habitáculo seria uma soberba ocasião para alguém livrar-se de objectos desnecessários, porém, não!!! Podemos já não ter qualquer utilidade para um vídeo Beta mas sejamos ceguinhos se não o levamos para a nova “palhota”. Este tipo de acção leva a que tenhamos muita tralha para transportar o que, por um lado, facilita algumas hérnias e obriga-nos a arranjar ajuda. Ora nesta situação ou abrimos os cordões à bolsa ou pedinchamos aos amigos.
Obter camaradas para gastar um dia em intenso trabalho físico, não remunerado e potencialmente prejudicial à saúde não é tão fácil como se julgaria. Nos dois segundos que leva a perguntar isto toda a gente arranja planos. Aparentemente, nesse preciso dia, o Papa, os Rolling Stones, a Selecção Nacional e formas de vida inter-galácticas vão estar, exactamente naquelas redondezas. Nem que o local em questão seja a ilha do Pico!
É um daqueles pedidos que pode cimentar ou destruir uma amizade. Temos de pensar: “Será que gosto o suficiente desta pessoa para transportar duas poltronas, um sofá, um piano de cauda e todo o equipamento de halterofilismo?”
Se pensam que “acartar” um balcão de mármore para um 10º andar, dum edifício sem elevador, é mau experimentem arrastar um caixote de pedras, debaixo de água, ao longo de 40 metros de terreno rochoso. Digo-vos se alguma vez se meterem nestas andanças da arqueologia subaquática (o que já por si...) e um dia ouvirem dizer que no mergulho do dia seguinte vai-se limpar o sítio de todas as pedras soltas, é bom que arranjem uma boa desculpa para ficar em terra. Especialmente se a equipa não tiver disponíveis balões de ar, que é o que se costuma usar para deslocar grandes massas debaixo da água.
Claro, que como membros dos Cortiçais tínhamos de fazer as coisas do modo mais difícil. Por isso, quando tal trabalho foi necessário, balões nem vê-los. O que deixa os carregadores subaquáticos com duas hipóteses: ou vão sem barbatanas (o que implica dar à perna como um doido para voltar para o barco), fazendo um número do tipo homem na Lua (convínhamos o fundo do mar é uma paisagem lunar na terra) ou juntam-se aos pares e tentam levar a carga a nado. Depreenda-se que “a nado” tem de ser utilizado, aqui, com muito boa vontade, pois o que fazíamos era mais rastejar. Cada um dos mergulhadores tinha de ter uma mão na caixa e a outra no chão para tentar deslocar um caixote cheio de calhaus de joelhos. Escusado será dizer que não era propriamente fácil, especialmente porque a distância não era curta nem o terreno livre de obstáculos.
Por outro lado os choques psicológicos das mudanças subaquáticas são muito menores que os das terrestres. Nestas sujeitamo-nos a descobrir mais sobre os nossos amigos do que gostaríamos saber. Pensamos que uma pessoa é calminha até o dia em que, ao ajudá-lo a mudar, damos de caras com um vasta gama de objectos de tortura, os restos mortais das suas ex-mulheres e um cartão de sócio do KKK! Acredito que muitos criminosos condenaram-se a sim mesmo a partir do momento em que perguntaram: “Queres ajudar-me a mudar?”

Vitor Frazão

quinta-feira, abril 19, 2007

O suspeito do costume


Este é, provavelmente, o mais suspeito dos habitantes dos Cortiçais. Suspeito do quê? De toda e qualquer coisa. É um animal que simplesmente não consegue evitar ter um ar culpado. Este crustáceo é o equivalente subaquático do “mangas”, um pequeno vigarista/vendedor de cenas fanadas/“pilha galinhas”. Se fosse humano só teria um trabalho honesto para depois roubar a caixa-registradora. Alguém que se o acusar-mos de ser capaz de vender a própria mãe ele responde: “Isso é uma proposta? O modelo inteiro ou peças? Para embrulhar ou vai mesmo assim”, para depois, claro, ficar com o dinheiro e “esquece-se” de entregar a velha.
Refiro-me ao caranguejo. Poderá ser preconceito, o mais certo é ser um invertebrado perfeitamente honesto (se é que podemos aplicar esta característica a um animal) contudo olhamos para os seus pequenos olhos separados, no topo da cabeça, e de imediato concluímos: “ou já a fez ou está par a fazer”!
Por que será? O que é que lhe dá um ar tão acusável? Será o facto de andar de lado? Afinal é um pormenor bastante específico que, certamente, levanta suspeita entre os demais formas de vida submarinas. Se a isto acrescentarmos a sua tendência para esconder-se em buracos escuros com o aproximar de alguém e os seus maneirismos de fumador compulsivo (a constante ascensão das pinças à boca dão a ideia de estar a fumar dois cigarros), dá-lhe um aspecto de vendedor ilegal, que aparece para mostrar o produto e depois evapora-se (não quero com isto dizer que todos os fumadores tenham um ar suspeito! Mas convínhamos, a imagem que Hollywood e companhia passam é que vigarista de bairro que é vigarista de bairro tem um tipo de nervosismo que só é tratado com constante assimilação de nicotina).
Talvez seja o facto de andar no mar da mesma maneira que anda em terra. Esta dubiedade levanta, seguramente, desconfianças. O simples facto de ele andar, quando os demais membro da comunidade subaquática nadam...
Independentemente do motivo o caranguejo é suspeito! Por vezes, enquanto trabalhos, damos por ele a observar-nos atentamente. Nessas alturas esperamos que, a qualquer momento, ele olhe para um lado, olhe para o outro (o que não deve ser fácil quando nos deslocamos de lado) e diga-nos: “Pst! Oh, chefe, tá interessado numas cerâmica? Consigo-as baratinhas!” Atitude para qual seria necessária uma certa dose de coragem, especialmente, tendo em conta que a uns meros 50 metros, alguns membros da sua família estão a ser cozidos vivos numa marisqueiro (que apesar das indirectas ainda não avançou com um patrocínio para ser referida aqui).

Presidente da AAÓ.

segunda-feira, abril 02, 2007

Atum!!!


Como nos ensinou um certo e determinado grupo, cujo nome permanecerá anónimo para evitar o pagamento de direitos de autor (o nome faz referência a um mamífero doméstico seguido de um adjectivo pouco elogiador ao mesmo), o atum pode assumir as mais bizarras formas.
Entre as subespécies deste peixe de água salgada há uma que sobressai: o atum dos Cortiçais. Este ser, cuja capacidade de respirar fora de água é notória, tem traços ligeiramente humanos (muito ligeiramente, a atirar para o remoto e a rasar imperceptível).
Possui longas barbatanas e pele grossa de neoprene, numa matiz de corres que vai do negro (está bem o negro não é cor é ausência de luz mas entendem o sentido da coisa) ao amarelo florescente, passando pelo azulinho e vermelhusco.
Têm, igualmente, uma garrafa às costas, por razões que me escapa. Tal acessório deve ser retirado aquando da pesca, antes de içar o bicho para o barco. Como se processa essa faina?
Ao contrário dos demais atuns não é pescado com isco. Sendo necessário aconselho o uso de cerveja. Contudo, tal não é preciso pois o animal tende a saltar para o barco por si e quando não o faz pede ao pescador para o fazer! Claro, que qualquer homem do mar prefere que o atum dos Cortiçais entre no barco pela sua própria barbatana, uma vez que a alternativa é iça-lo. A elevação de tal “peixe” não é fácil, especialmente, por não se utilizar ganchos como para os restantes atuns. Parece que há algum cuidado para mantê-los vivos, vá-se lá saber porquê...
O tamanho varia, temos desde pesos plumas a super-pesados. Alguns deles dignos de serem presos num gancho, no porto, para uma fotografia. Alguém me explica porque é que as pessoas nessas fotografias têm um ar tão orgulhoso? Especialmente quando são capturas acidentais? Amigos, não a apanhara o tubarão-branco ou a lula gigante à mão, pois não? Mesma coisa com as fotos dos safaris em África, a maioria está tão inchada como se tivesse morto um leão com as próprias mãos!