terça-feira, janeiro 02, 2007

Estranhos hábitos


Qual é o hábito mais característico dos portugueses? Existem vários. Somos um povo com muitos costumes interessante mas poucos deles aconselháveis. Porém, há um hábito que sobressai: o gosto pelo convívio. Todos os turistas dizem que os portugueses são hospitaleiros e sabem receber. Isto para nós é estranho já que nos vemos como um povo extremamente antipáticos, pelo menos uns com os outros. Que raio, se nós somos simpáticos as pessoas antipáticas em Inglaterra devem ser pavorosas!
No entanto, os estrangeiros estão certos, pelo menos em parte. Fazemos tudo para nos agruparmos, para convivermos! Juntamo-nos nos tascos, cafés, centros comerciais, estádios de futebol e acidentes.
Não há nada que atraía mais gente em Portugal do que uma acidente. Minto, uma câmara de televisão atrai, pelo menos, tanta gente como um acidente. Se for um acidente que esteja a ser filmado para o telejornal então... as pessoas são puxadas para o local como traça à luz! Outros povos fogem duma explosão, os portugueses são meninos para se aproximarem de pescoços esticados e a perguntar: “O que é aquilo? O que é que se passa ali, hã?” Somos uns seres curiosos, pá! Não que me esteja a queixar! Afinal a arqueologia é isso. A arqueologia começa quando um gajo olha e perguntas: “Que é isto”? e começa a esgravatar. Nos Cortiçais foi assim. O achador olhou, viu coisas que nunca tinha visto, tirou-as, mostrou-as a quem é de direito e zás, temos um sítio arqueológico!
Mas voltemos ao vício "tuga" para o convívio. Nós não só fazemos tudo para nos agruparmos, seja com quem for, como para nos ligarmos a quem nos agrupamos. Vejamos os acidentes: toda a gente tem opinião sobre o que aconteceu e debatem essa opinião, calorosamente, com quem quer que esteja ao pé. Mesmo que não a conheça de lado nenhum!
As salas de espera, esses grandes centros de agrupamento involuntário, são o exemplo perfeito. O mais comum numa sala de espera é uma pessoa falar dos mais variados, e por vezes intímos, assuntos com alguém que conheceu cinco minutos antes. Certo, há que ter em conta que a miséria aproxima as pessoas e poucas misérias se comparam a uma sala de espera. Até porque se há coisa que os portugueses odeiam fazer é esperar! Um inglês está ali muito bem sossegadinho, numa fila (outro fenómeno odiado pelos "tugas") e não fala com ninguém. Um português? Por favor! Não lhe peça para esperar e estar calado!
O português é um animal social! Mesmo quando não vamos ao estádio juntamo-nos com os amigos para ver o jogo na televisão. E são situações destas que provavelmente nos valem a fama de hospitaleiros. Não é o ver o jogo em conjunto. É o que se segue e muitas vezes antecedeu: a patuscada. Nós gostamos de nos juntarmos e estar com os outros porque o estamos bem é há mesa, a comer, a beber e a mandar comentários.
O mais importante é que esta atitude contagia os demais povos.
Vejamos o exemplo da equipa dos Cortiçais onde a maioria é portuguesa mas temos: director francês, membros italianos e colaboradores alemães. Este “maranhal” quando se junta numa mesa é o terror de qualquer empregado. Que o digam o pessoal do restaurante “A Sardinha”.
Primeiro é escusado marcar uma hora para se começar a comer: nunca chegamos às horas programadas e se, por acaso, isso acontecer é impossível chegar toda a gente ao mesmo tempo. Um porque um teve de voltar atrás ou porque outra está a telefonar... É que nem nos dias que há jogo, caraças! Uma situação de: “muito bem estamos todos vamos lá pedir” é mais raro que um guião bem escrito numa novela portuguesa.
O pedido é outra aventura patente de criar grave patologia na equipa do restaurante. Perdemos muito tempo a olhar para o menu, o que é um bocado estranho, visto já termos comido ali tantas vezes que devíamos sabê-lo de cor e salteado. Perdemos ainda mais tempo a ver uns com os outros o que é que vamos comer naquelas situações de: “Ah vais comer isso, então pedimos para os dois”. E quando, finalmente pedimos, é escasso o pedido simples. Ou porque não querem que certo ingrediente venha ou porque quer que seja posto...
Mas o pior não é isto! Não só fazemos imenso barulho e envolvemo-nos nas situações mais bizarras (digo-vos ver o Portugal vs Holanda com esta gente foi de doidos) como também, e isto é que é grave, ficamos tempo demais! Demoramos a comer (normalmente porque há sempre um mínimo de duas conversas paralelas a decorrer) e continuamos à mesa depois de acabada a refeição.
Os empregados d' “A Sardinha” não o admitem mas já não devem conseguir aturar-nos. Eles continuam a ser educados, porém lá no fundo... Imaginem-se no lugar deles: fim do dia de trabalhos, prontos para fechar e os sacanas dos arqueólogos não desamparam a loja!